A Relação Entre Práticas Pagãs e a Kaaba: Pedra Negra do Islã

A Relação Entre Práticas Pagãs e a Kaaba: Pedra Negra do Islã

Ao longo dos séculos, muitos debates têm surgido sobre a história e as origens das práticas islâmicas. Um dos mais intrigantes envolve a suposta ligação entre antigas práticas pagãs e os rituais que ocorrem em torno do Kaaba, em Meca. Esta discussão é frequentemente citada por estudiosos e críticos do Islã, que apontam para as semelhanças entre certas tradições pagãs e as adotadas por Maomé.

O Kaaba e o Deus Pagão Hubal

O Kaaba, um cubo monumental localizado em Meca, é o lugar mais sagrado do Islã. No entanto, alguns historiadores e especialistas em religiões, como Fred M. Donner, afirmam que o santuário originalmente servia como um local de adoração ao deus pagão Hubal. Donner afirma que, antes de Maomé, os habitantes pagãos de Meca adoravam Hubal, um deus associado à lua, no próprio Kaaba.

De acordo com o especialista, o Kaaba abrigava uma pedra preta, que os pagãos veneravam e beijavam, prática que foi posteriormente adotada pelo profeta Maomé. Esta pedra preta, acredita-se, seja um meteorito que caiu na Terra, e os muçulmanos continuam a beijá-la durante o ritual do Hajj. O fato de essa prática ter origem em rituais pagãos levanta a questão: por que Maomé a manteve?

Karen Armstrong e a Influência Pagã

A renomada escritora Karen Armstrong, que é amplamente respeitada por suas obras que exploram o Islã de maneira equilibrada e compreensiva, admite que o Kaaba, antes de ser o centro do monoteísmo islâmico, era o santuário de Hubal, e ao redor dele havia 360 ídolos, representando os dias do ano. Esta revelação é chocante para muitos, pois sugere uma continuidade entre as práticas pré-islâmicas e as islâmicas. Segundo Armstrong, Maomé eliminou os ídolos do Kaaba, mas preservou a veneração da pedra preta.

Embora Armstrong não seja hostil ao Islã, ela destaca essas influências pagãs que continuam a gerar debate entre estudiosos e líderes religiosos. Sua imparcialidade ao apontar essa continuidade cultural e religiosa faz com que muitos se perguntem sobre a verdadeira natureza das origens do Islã e como essa religião se desenvolveu a partir de um contexto politeísta.

Hubal e Allah: A Mesma Divindade?

Uma das alegações mais controversas que surgem desse debate é a possível relação entre Hubal e Allah. Alguns historiadores sugerem que Allah pode ter sido uma evolução de Hubal. Essa hipótese se baseia no fato de que Hubal era uma das principais divindades adoradas no Kaaba antes da chegada de Maomé, e que a transição do politeísmo para o monoteísmo pode ter envolvido a assimilação de Hubal como Allah, o deus único.

Essa teoria é corroborada por F. E. Peters, que afirma em seu livro Hajj que Hubal foi trazido para Meca por 'Amr, e se tornou a principal divindade adorada no Kaaba. Ele argumenta que a adoração a Hubal envolvia práticas como circundar o Kaaba e raspar a cabeça — rituais que mais tarde seriam incorporados ao Hajj islâmico.

A Origem da Palavra "Samad"

Outro ponto de discussão está no significado da palavra "Samad", que aparece no Alcorão (Capítulo 112, Versículo 2). A palavra "Samad" é usada para descrever Allah, mas até hoje muitos estudiosos muçulmanos não sabem ao certo seu significado. Segundo Franz Rosenthal, a palavra "Samad" pode ter origem em um termo semítico antigo, relacionado ao deus Baal, que também era venerado em regiões próximas, como a Síria e a Jordânia. Baal, como Hubal, era uma divindade associada a práticas pagãs.

A descoberta de uma inscrição ugarítica que usa a frase "Baal d' Samad" reforça essa teoria. De acordo com essa inscrição, "Samad" significava "clava" ou "bastão", e Baal era frequentemente retratado segurando uma clava. Isso sugere que o termo "Samad" pode ter sido herdado de práticas religiosas anteriores e mantido no Islã, apesar de seu significado original ter sido perdido ao longo do tempo.

O Sacrifício Humano no Islã: Um Legado Pagão?

Outro aspecto que gera polêmica é o relato sobre Abdul Muttalib, avô de Maomé, que teria prometido sacrificar um de seus filhos a Allah, caso ele fosse abençoado com dez filhos. Esse relato, encontrado na biografia de Maomé escrita por Ibn Ishaq, sugere que a prática de sacrifícios humanos poderia ter raízes em tradições pagãs associadas ao culto de Baal ou Hubal.

De acordo com a tradição, Abdul Muttalib foi ao Kaaba, onde pediu orientação ao ídolo Hubal para decidir qual dos seus filhos seria sacrificado. Este relato levanta a questão: se o sacrifício foi prometido a Allah, por que Abdul Muttalib procurou a orientação de Hubal? Isso sugere que, na mente dos árabes pré-islâmicos, Allah e Hubal poderiam estar intimamente ligados.

A Confusão entre Hubal e Allah

O fato de Abdul Muttalib ter recorrido a Hubal para cumprir sua promessa a Allah revela uma confusão entre as duas divindades. Essa confusão pode ter sido um reflexo de uma transição incompleta do politeísmo para o monoteísmo na Arábia pré-islâmica. Maomé, ao estabelecer o Islã, pode ter tentado dissociar Allah de qualquer ligação com ídolos pagãos, mas vestígios dessa ligação parecem ter permanecido.

Conclusão: Uma Herança Complexa

A discussão sobre a relação entre práticas pagãs e islâmicas é complexa e cheia de nuances. O fato de que algumas tradições islâmicas, como a circuncisão do Kaaba e o beijo da pedra preta, tenham raízes em práticas pré-islâmicas não diminui a importância ou a profundidade espiritual que essas práticas têm para os muçulmanos hoje. No entanto, compreender essas influências históricas pode nos dar uma visão mais ampla sobre como as religiões evoluem e absorvem elementos de culturas anteriores.

Independentemente de qualquer controvérsia, o Kaaba continua sendo um símbolo central de fé e unidade para milhões de muçulmanos ao redor do mundo. A herança cultural que ele carrega, tanto islâmica quanto pré-islâmica, faz dele um monumento não apenas de importância religiosa, mas também histórica.